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criança, viada; crítica de 'pequeno monstro', de silvero pereira.

  • Foto do escritor: Xérem Indisciplinar
    Xérem Indisciplinar
  • 22 de set.
  • 3 min de leitura

 crítica | teatro


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O mais novo solo atuado por Silvero Pereira, cearense natural de Mombaça, aconteceu no último domingo, na programação do Porto Alegre em Cena, festival da prefeitura da capital gaúcha em parceria com o Ministério da Cultura. Pequeno Monstro, um trabalho de 60 minutos, de natureza autobiográfica e documental, dirigido por Andréia Pires — integrante da Inquieta Companhia e homenageada em 2020 pela Mostra Internacional de Teatro de São Paulo —, narra as questões de um corpo recusado pela sociedade e que existe em paralelo à ameaça do desaparecimento.

O espetáculo se desenrola em uma arena branca, que remete à inocência e à infância, tema central da dramaturgia. Em seu centro, encontra-se uma bateria, também branca, que aciona ritmos e produz uma sonoridade inquietante. Dividindo o espaço com luzes que se deslocam no palco conforme a performance de Silvero, a apresentação tem início com uma instalação de plástico que se enche de ar, envolve o ator e se transforma em um vestido, mas desaparece logo no primeiro tempo — uma contribuição plasticamente duvidosa diante de uma encenação ancorada na exposição das experiências pessoais de bullying e nos processos de monstrificação social vividos pelo ator.

Pequeno Monstro, estreado na cidade do Rio de Janeiro em 2024, tem uma dramaturgia protocolar e mostra um Silvero em uma atuação dura, pretensiosamente séria, excessivamente marcada e, com raras exceções, desmergulhada da espontaneidade tão característica dos trabalhos que o despertaram à fama como Uma flor de dama, nascido em 2002, e o BR-trans, apresentado em um primeiro momento no ano de 2012, sendo originário de uma experiência criativa na capital gaúcha com a professora Jezebel de Carli.

O ponto forte do espetáculo se revela em dois extremos: quando Silvero Pereira expõe suas memórias mais dolorosas – como uma experiência de abuso infantil – ou quando ironiza a hipocrisia presente na história de familiares, muitos dos quais o recusaram e o enxergaram como problema quando criança. Na dramaturgia, também assinada pelo ator, o “pequeno monstro” é o infante que a sociedade passou a identificar como desviado da norma, justificando, a partir disso, inúmeros atos de violência.

Diante de sua trajetória no teatro, o mais recente espetáculo de Silvero Pereira continua a narrar os problemas inerentes à identidade de gênero, mas há, aqui, uma completa absorção das críticas feitas a ele no passado. Pereira, acusado por coletivos LGBTQIAPN+ de usurpar a pauta das pessoas trans e travestis – um problema que toca, ao mesmo tempo, de forma contrária, o cerne da atuação e a questão da representação –, aparece aqui redimido, aderido e concentrado em seu “lugar de fala”, o de homem gay cisgênero. O resultado disso é uma atuação em que a feminilidade de Silvério Pereira se mostra completamente acanhada e amputada, empurrando-o a acessar registros de corpo e voz da masculinidade a qual critica.

Pequeno Monstro também se distancia da simplicidade gambiarral dos primeiros solos atuados por Pereira, que aqui, na ânsia de acessar o político e de mostrar-se engajado – um retrato disso aparece nos dados de crianças mortas por homofobia – cafetina a potência de seu tema. Em um país que ainda sobrevive do sangue e da dor alheias, resta saber se, talvez, este seja o caminho.


Texto publicado em 22 de setembro de 2025

Escrito por Ronildo Nóbrega.

 
 
 

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